Loop de dopamina

Quando Nada Me Agrada: A Realidade Crua da Fase Lútea
Estou no meio de uma semana corrida de entrega de projeto. Por mais que me programe e organize tudo combinando cada etapa com o cliente, é comum ficar uma coisinha ou outra pra se resolver noite adentro pra que a entrega esteja no prazo e no nível que desejo. Pois bem, quando isso acontece eu costumo colocar um filme, série ou vídeo no Youtube como plano de fundo pra manter um certo aconchego produtivo.
Acontece que nada me agrada! Fico numa busca eterna por algo que me entregue um pouco de dopamina, mas tudo me entedia em menos de 2 minutos. Foi quando percebi que isso já aconteceu antes, foi quando me deu conta que estava na semana pré-menstruação.
Não sou, eu estou!
Tem um tempo que venho estudando sobre as fases menstruais e como elas afetam nosso fluxo de produtividade, de humor e da visão de mundo. Não é só TPM, é como se existissem versões de mim mesma que aparecem de tempos em tempos.
Por coincidência (ou algoritmo mesmo) esse vídeo da @khalilhana me apareceu nesses dias de rolagem infinita no feed sem rumo específico. E ela não poderia resumir melhor essa nossa relação com as fases da lua interna.
Esse é um conceito que tive contato pela primeira vez aos vinte e muitos anos na minha fase bruxa vegana usando a Mandala Lunar. É ótimo saber que é uma fase, mas queria mesmo é registrar essas experiências para poder prever comportamentos e saber lidar de forma inteligente com eles. Se é que isso é possível.
A Fase Lútea: Quando o Cérebro Vira um Adolescente Mimado
Vamos falar sobre o elefante na sala: a fase lútea, também conhecida como "os últimos 14 dias antes da menstruação" ou "quando meu cérebro decide que nada vale a pena". É literalmente quando nosso corpo se prepara para a possibilidade de uma gravidez, mas nosso sistema nervoso age como se estivesse se preparando para o apocalipse.
Sabe aquela sensação de que você está assistindo sua própria vida através de um vidro embaçado? É exatamente isso. O que antes me dava prazer agora parece ter perdido completamente o brilho. Aquela série que eu estava acompanhando religiosamente? Boring. O café da manhã que eu faço há meses? Sem graça. Até minha playlist favorita parece ter sido feita por uma pessoa que eu não conheço.
É como se meu cérebro fosse um adolescente mimado que de repente decide que tudo que os pais oferecem é "cringe". Nada é bom o suficiente, interessante o suficiente, estimulante o suficiente. E aí começa a busca desesperada por algo, qualquer coisa, que me dê aquele hit de dopamina que preciso para seguir funcionando.
O Loop Infinito da Busca por Dopamina
Você já ficou 40 minutos navegando no Netflix sem conseguir escolher absolutamente nada? Ou passou horas no Instagram procurando algo que não consegue nem nomear? Bem-vinda ao clube da fase lútea!
Nessa fase, nossos níveis de serotonina despencam, e nosso cérebro entra em modo de sobrevivência. É como se ele dissesse: "Preciso de prazer AGORA, mas nada do que você tem aqui serve". E aí começamos essa dança esquisita de abrir e fechar abas, pular de vídeo em vídeo, trocar de música de 30 em 30 segundos.
O pior é que quanto mais procuramos, mais frustradas ficamos. É um loop vicioso: a frustração diminui ainda mais nossa capacidade de sentir prazer, que nos faz buscar mais, que nos frustra mais. É como tentar encher um balde furado – por mais que você despeje água, ela continua escorrendo.
Vontades do Nada
Tem dias que eu olho pela janela e até o céu parece mais sem graça. Não é depressão, é como se alguém tivesse diminuído o contraste da realidade. As cores estão todas ali, mas parecem desbotadas. Os sabores estão todos ali, mas parecem sem sal.
É nessa hora que começo a questionar tudo: será que escolhi a profissão certa? O que tem de errado comigo? Será que essa vida que construí faz sentido? Spoiler: não é sobre as escolhas, é sobre os hormônios. Mas isso a gente só lembra depois.
Lembro de uma vez que passei de mal humor total para querer ouvir toda a discografia da Madonna do nada. Sabe aquela mudança de humor que não faz sentido nenhum? Era meu cérebro tentando encontrar algo que me conectasse com alguma emoção, já que internamente tudo parecia desconectado e caótico.
Navegando a Tempestade (Ou: Como Sobreviver à Versão Difícil de Mim)
Aceitar que essa versão de mim vai aparecer todo mês foi libertador. Em vez de lutar contra ela, comecei a preparar o terreno. Criei uma playlist específica para esses dias – música que funciona mesmo quando nada funciona. Separei filmes que me acalmam e que já assisti mil vezes, porque novidade na fase lútea é superestimada.
Também aprendi a baixar minhas expectativas. Não é o momento de começar projetos novos ou tomar decisões importantes. É o momento de manter o básico funcionando e ser gentil comigo mesma. É como cuidar de uma criança cansada – às vezes só precisa de colo e paciência.
E sabe o que mais ajuda? Adaptar minha lista de tarefas para a realidade da fase lútea. Em vez de planejar 10 coisas importantes, deixo apenas 3 realmente essenciais. Sei que minha capacidade de concentração vai estar reduzida, então não adianta me programar como se fosse a versão mais produtiva de mim. É como ajustar a velocidade do carro quando está chovendo – você não para de dirigir, só vai mais devagar e com mais cuidado.
Outro salva-vidas é sair de casa, mesmo quando não tenho vontade. Uma caminhada de 15 minutos ou sentar no parque mais próximo faz milagres. Tem algo sobre ar fresco e movimento que quebra o ciclo da ruminação mental. E quando a irritação está muito forte, descontar na academia ou numa corrida ajuda muito a processar essas emoções. O corpo precisa processar toda essa energia estranha de alguma forma – melhor que seja suando do que implodindo. E claro, pra quem tem acesso, manter a terapia em dia durante essas fases é fundamental – ter um espaço para entender esses padrões sem julgamento faz toda a diferença.
O Que Aprendi Sobre Dopamina e Autocompaixão
Essa busca desesperada por dopamina me ensinou algo sobre como funcionamos. Nosso cérebro não é uma máquina que produz prazer sob demanda. Ele tem ciclos, marés, temporadas. E tudo bem.
O que eu fazia antes era brigar com essa versão de mim, como se ela fosse uma intrusa. Agora sei que ela é parte do pacote. Ela traz insights diferentes, uma sensibilidade aguçada, uma capacidade de enxergar problemas que outras fases não conseguem.
Talvez a fase lútea não seja sobre encontrar prazer, mas sobre aprender a ficar confortável com a ausência dele. Sobre descobrir que posso existir mesmo quando nada me agrada completamente. Que posso funcionar mesmo quando meu cérebro está em modo economia de energia.
Aceitando a Ciclicidade
No final das contas, entender meu ciclo menstrual foi como ganhar um manual da usuária de mim mesma. Não é sobre prever o futuro, mas sobre reconhecer padrões e trabalhar com eles, não contra eles.
Ainda rolo feed infinitamente procurando algo que me dê aquele hit de dopamina na fase lútea. Mas agora sei que é parte do processo. Que em alguns dias isso vai passar, e eu vou voltar a sentir prazer nas coisas simples. Que essa versão de mim que nada agrada também tem valor – ela me força a ir mais devagar, a questionar, a buscar mais profundidade.
E talvez seja isso: não sobre encontrar algo que sempre me agrade, mas sobre aprender a conviver com todas as versões de mim que habitam esse corpo cíclico, lunar, eternamente em transformação.
Escrito na fase lútea, obviamente. Com muito café e uma playlist específica para dias que nada agrada.